sábado, 5 de setembro de 2015

Always in my head...

Mais uma vez ele viu o relógio mudar rapidamente de 6 para 7 os minutos da quarta hora da madrugada. Apesar da quase rotina, esse hábito ainda causava um certo desconforto; parecia haver hora certa para lembrar dele. Balbuciou o palavrão de sempre, estalou os dedos e procurou os óculos no escuro. Já previa a dor nos olhos antes mesmo de acender a luz, então decidiu descer a escada no breu mesmo. Abriu metade da janela, observou a chuva por alguns minutos, lembrou das noites chuvosas ao lado dele, lembrou do vidro embaçado e da música suave das gotas atingindo-o, lembrou do edredom roxo ou violeta ou púrpura – nunca soube qual a verdadeira identidade cromática do negócio e também não levou o assunto à ele – e do gato dormindo embaixo da cama. Lembrou dele, do sono dele, da maneira como os olhos dele se apertavam quando ele dormia, das asas redondas do nariz, dos lábios carnudos convidando-o para um beijo. Lembrou do cheiro da respiração dele e respirou profundamente, como que querendo encontrar tal cheiro no ar. Falhou.

Foi acordada do sonho-acordada por uma distante sirene de polícia, andou lentamente até o fogão e aqueceu uma medida de leite. Enquanto aguardava, reparou na quase dúzia de folhas de caderno escritas e rasuradas e espalhadas na mesa numa ordem que somente ela entendia. E nessas folhas, palavras que somente ele entenderia.

Sonhou de novo, e dessa vez com os vários bilhetes que escondeu pelo quarto dele, bilhetes recheados de pequenas juras e promessas e micro-elogios que arrancariam dele aquele sorriso que só ela conhecia, bilhetes assinados pela metade, que mostravam o quão inteiro ela era com a metade dele. Acordou novamente, dessa vez com o cheiro de leite fervendo, xingou a vaca, disfarçou muito mal um sorriso, terminou de preparar o capuccino e aqueceu a garganta com goles curtos. Era normal esquecer do mundo quando se lembrava dele. Era comum.

Largou a xícara na mesa, apagou a luz e, antes de voltar à cama, viu a luz amarela e deprimida de um poste atravessar a janela e repousar na cadeira ao lado. Como previsto, sentiu o costumeiro aperto no peito e também a solidão tocar-lhe os ombros. Tudo naquela casa lembrava dois, à dois, os dois, mesmo sem nunca ter existido dois naquele espaço. Repare bem: naquele espaço. A cadeira vazia servindo de repouso para o violão, o número de talheres e pratos e copos, a mesa redonda e pequena, o box do banheiro, a cama de solteiro (para dormirem mais próximos). Sentiu o chão gelado abaixo dos pés e desejou os pés dele colados nos dela. Voltou pra cama, olhou a foto dele na tela do celular, rezou por ele e reclamou consigo mesmo, com seu próprio deus, sobre as lágrimas que se acumulavam nos cantos dos olhos contra sua vontade. Alguns minutos depois da quarta hora da madrugada, ela tirou os óculos e os deixou no chão mesmo; ele não estaria ali para pisar neles meio que por engano. E como esperado, não dormiu.


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