segunda-feira, 25 de maio de 2015

Quem somos agora?

Quem disse que todo mundo diz o que pensa? Quem disse que todo mundo é sincero? Quem disse que todo mundo sabe dizer não? Quem disse que todo mundo diz o que incomoda? Quem disse que todo mundo confessa os próprios medos? Quem disse que ninguém finge ser feliz quando não é? Quem disse que todo mundo sabe ouvir? Quem disse que é fácil calar? Quem disse que todo mundo sabe dar valor as amizades que têm? Quem disse que todo abraço é de bem querer? Quem disse que ninguém finge? Quem disse que todo mundo é o que diz pensar, sentir e ser? Quem disse que somos apenas seres unidimensionais? Quem disse tudo isto pelo jeito não entende muito de gente...
Quando a gente anda nas ruas e pára para observar os rostos das pessoas, gestos, todo o conjunto do que enxergamos nelas, não temos a menor idéia do que vive dentro delas. Será que todos os sorrisos são de felicidade? Será que todos os andares têm um destino? Todo gesto um propósito? Toda palavra endereçada uma verdade sobre elas? Em muitos casos, talvez pouco provável!
Muitas vezes, o que acontece é que em sociedade, as pessoas saem de casa com um conjunto de máscaras. Não me refiro a máscaras como sinônimo de falsidade. Não! Me refiro a máscaras que são escudo para o que realmente estamos querendo ou precisando dizer mas não dizemos, queremos extravasar os sentimentos mas não podemos, queremos respirar o nosso eu, deixar ele falar, mas as amarras são tantas que a gente ou não se permite ou não nos permitem por milhões de razões. Alguns exemplos...
Quando se vai trabalhar e se tem um chefe bully, todo dia é um dia cheio de stress e opressão. Ele insulta você e você precisa colocar a máscara da passividade, a máscara dos nervos de aço. Dentro de você há um turbilhão de desaforos que gostaria de falar para ele, questioná-lo sobre a postura anti-ética, anti-profissional, despótica, abusiva. Segura o choro serrando os dentes, controlando o que diz ou o que não diz. Percebe que é uma tremenda injustiça, mas se segura, porque começa a pensar sobre a crise que poderia ser gerada na sua vida se pedisse demissão ou falasse umas boas verdades para o chefe que não tem direito algum de tratá-la assim. Sabe que muita gente se sente do mesmo jeito que você, mas por motivos que só cada um sabe e não diz, ninguém toma a iniciativa de mudar o status quo. Mesmo porque, dentro de uma empresa, é raro encontrar uma chefia acima do seu chefe que vai te dar razão, vai ouvir suas queixas e admitir que a postura do outro é totalmente inapropriada. Você sofre calada e sabe que enorme preço paga por isto.
Você tem amigos a quem se dedica grandemente. Mas nem sempre eles se dão conta de que você existe a não ser para ouví-los, entendê-los, ser a melhor amiga da vida. Mas você releva porque gosta deles e porque mantém a esperança de que um dia eles mudem, "acordam" para você, tornarão mútuos os ouvidos, sentidos, interesse, sentimentos. Releva porque não quer forçar uma situação. Existe aquela insegurança de que se algo for dito e mudar, a amizade irá por água abaixo. Então faz de conta que está tudo bem viver uma amizade de unilateralidade. Não acha que é natural "cobrar" algo que as pessoas deveriam se tocar por elas mesmas. Então se usa a máscara do está tudo bem...
    Vive um relacionamento com seu namorado ou namorada e também vai deixando para lá certas coisas atravessadas que ficaram. Era um olhar mais atento que queria, um elogio aqui outro acolá, uma cumplicidade maior na relação, um pouco mais de atenção, escuta, presença, perceber que o outro se importa se você sente prazer ou não, etc.
    A gente tem mesmo a tendência a ir se acostumando com migalhas e isto vira uma coisa tão crônica que quando nos damos conta, já estamos com um tremendo vazio dentro da gente, não sabemos mais nem como tudo isto começou e como tomou tamanha dimensão. A gente se esqueçe de se olhar, de se gostar, se valorizar, se respeitar porque não tem ou pouco tem destes estímulos na relação com as outras pessoas. A gente acaba sendo, em muitas circunstâncias, o reflexo de como nos tratam ou como nos maltratam. De certa forma, é a "escravidão" da dependência do querer pertencer, ser gostado, admirado, respeitado, ouvido, visto e tocado.
   É claro que muitos irão dizer que isto é uma questão muito mais do tipo de personalidade de cada um. Tem gente que engole mais sapos do que outros. Tem gente mais passiva, conformada do que outros. Tem gente que nutre muito menos expectiva na relação com as outras pessoas do que outros. Tudo isto é verdade! Mas, por algum motivo, todos nós, sem exceção, não podemos dizer que somos imunes a viver pelo menos um momento de buraco existencial. As vezes vem a necessidade de fazermos um tipo de auto-reciclagem, um balanço de como as coisas estão indo ao redor e que impacto estão tendo dentro da gente.
   Existem os momentos de alguns vazios ou muitos vazios porque a verdade é que em poucas vezes podemos MESMO ser tudo o que é a nossa essência. Tem coisa que a gente não diz por medo de parecer insegura diante dos outros, imatura, ingênua, pouco inteligente, carente, dependente, ou pior, por medo do preconceito, de um julgamento alheio implacável, aquele que exclui, rotula e segrega. Enfim... carregamos um redemoinho de coisas dentro de nós, coisas que ficam na mudez para o mundo de fora, mas gritam do lado de dentro porque não querem ficar aprisionadas. São muitos conflitos que viram verdadeiros nós, nos cobrando que sejam desatados. Aquela bola de neve morro abaixo que se não parada, vai tomando proporções desastrosas.
   Tendemos a julgar e criticar e rotular tão superficialmente. É mais fácil, mas tão injusto com os outros. A gente só pode dizer que conhece bem alguém quando permitimos que a verdadeira essência da pessoa fale, não as máscaras que ela tem que carregar. Gosto muito de pensar sobre isto porque é um grande aprendizado conhecer as pessoas, sejam elas de que idade, cor, sexo, orientação, origem, credo, status social forem. Carregamos tantas angústias, tantas vontades, tantos sonhos, tantas vozes, tantas conversas, tantos personagens dentro da gente... É um mundo inteiro em paralelo ao mundo de fora. A diferença é que, na maioria das vezes, o de fora fala e o de dentro cala.


(Simone Bittencourt Shauy - via Obvious)



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